O fígado e o coração: um novo “link”
José Carlos Ferraz da Fonseca
Médico especialista em doenças do fígado (Hepatologia)

O fígado e o coração são órgãos interligados fisiopatologicamente, podendo as doenças do fígado comprometerem o coração com o desenvolvimento de cardiomiopatia cirrótica; assim como doenças do coração comprometerem o fígado com o desenvolvimento de cirrose cardíaca. Pode-se até viver sem um dos pulmões, sem um dos rins, sem o baço, sem a vesícula etc., mas, sem o fígado e o coração, não! Se o coração e o fígado funcionarem perfeitamente, nada nos deve preocupar, certo? Respondo: certíssimo! Todavia, caso um dos dois fique doente; ou os dois, aí a coisa muda.

Quando o coração apresentar qualquer problema na sua funcionalidade, citando, como exemplos, a insuficiência coronariana e a insuficiência cardíaca congestiva (“coração de boi”), o fígado, consequentemente, vai ser lesado pela diminuição do aporte de sangue às células hepáticas (hepatócitos). Desse fato, podem suceder-se consequências gravíssimas no fígado, e as principais seriam: fígado aumentado de volume (hepatomegalia); infarto hepático; hepatite aguda; hepatite crônica; cirrose hepática. O tratamento da insuficiência coronariana e cardíaca, cirúrgico ou clínico, permite o retorno da função normal do fígado. Como podemos observar, qualquer problema no coração poderá ocasionar efeitos graves no fígado.

Agora, se o fígado apresentar algum problema crônico, como a cirrose hepática, este poderá interferir no “bate-bate” do coração e levar problemas graves ao coração? Diversos estudos publicados recentemente revelam que sim!

Dentre as doenças que o fígado cirrótico (cirrose hepática) pode ocasionar no coração, destacamos, como a mais frequente, a cardiomiopatia cirrótica. Esta doença afeta o músculo cardíaco (miocárdio), dilatando suas paredes e tornando o referido músculo espesso e rígido. Em razão desse fato, o coração fica fraco e não consegue bombear sangue suficiente para o corpo. Existem várias causas de cardiomiopatia, e as principais seriam: obstrutivas, alcoólica, desordens sistêmicas (amiloidose, hemocromatose, sarcoidose), ataque cardíaco, tratamento com irradiação, infecções (virais, bacterianas, fúngicas), cicatrização pós-cirurgia. A ingestão crônica de álcool pode levar à cirrose hepática e à cardiomiopatia alcoólica.

Os pacientes portadores de cirrose hepática, independente da causa, vivem em “estado circulatório hiperdinâmico”, ou seja, existe muito mais líquido fora dos vasos do que dentro. Podemos citar como sinais clínicos deste “estado circulatório hiperdinâmico”, observado entre pacientes cirróticos, a presença de inchaço (edema) nas pernas e de líquido no abdome (ascite). O “estado circulatório hiperdinâmico do paciente cirrótico” faz com que ocorra um aumento da atividade do sistema nervoso simpático (sistema que controla as funções respiratórias, circulatórias, controle da temperatura e digestão), produzindo altos níveis de noradrenalina (substância vasoconstritora) circulante, o que pode causar dano direto ao miocárdio. Essa é a teoria mais aceita sobre o problema.

O que nos faz suspeitar que um paciente sabidamente cirrótico esteja com o coração comprometido? Em primeiro lugar, grande parte dos pacientes portadores de cardiomiopatia, sem cirrose hepática, é assintomática, isto é, a maioria não sabe que tem a doença. Mesmo os pacientes com cardiomiopatia cirrótica, também, não apresentam qualquer tipo de queixa. Todavia, em consequência do deterioramento do músculo cardíaco, chega o momento em que os primeiros sinais e sintomas da cardiomiopatia começam a se manifestar, tais como sensação de fraqueza extrema, inchaço (edema) das pernas e pés, falta de fôlego (dispneia) e exacerbação do grau de icterícia (pele e olhos amarelos). O coração se torna célere (aumento dos batimentos cardíacos) e o paciente se queixa de palpitação. A dor torácica, aos pequenos e médios esforços, é relatada por um número significativo de portadores da doença. É bom informar ao leitor que os pacientes com cirrose hepática, sem comprometimento do miocárdio, podem apresentar parte dos sintomas e sinais da cadiomiopatia cirrótica.

Quando o especialista desconfia que o paciente cirrótico apresenta problemas no coração, é norma encaminhá-lo ao cardiologista. O ecocardiograma é o método mais utilizado para medir a função cardíaca. Contudo, o cardiologista pode utilizar outros métodos para caracterizar a mecânica da contração do coração, o relaxamento do miocárdio e o grau de fibrose cardíaca. Diagnosticado o problema pelo cardiologista, o tratamento do paciente deve ser iniciado imediatamente, seja clínico ou cirúrgico, pois o paciente pode agravar o quadro clínico e morrer.

Um comentário:

Cardiologia disse...

Muito boa a sua matéria! Gostei bastante.